Sob o ponto de vista do narrador, o irmão, Irene tricota porque é mulher, tricota e desfaz o que lhe desagrada, tricota e engendra um espaço para o irmão na sua rotina e no seu universo. Ao deixar a casa com o irmão, Irene carrega o tricô - o espaço de existência do irmão assegurado, seu duplo.
Apesar de sombrio como o conto de Poe, Casa tomada contém lindas referências à prática do tricô, sua função e centralidade na vida da personagem Irene.
Irene era uma jovem nascida para não incomodar ninguém. Fora sua atividade matinal, ela passava o resto do dia tricotando no sofá do seu quarto. Não sei por que tricotava tanto, eu penso que as mulheres tricotam quando consideram que essa tarefa é um pretexto para não fazerem nada. Irene não era assim, tricotava coisas sempre necessárias, casacos para o inverno, meias para mim, xales e coletes para ela. Às vezes tricotava um colete e depois o desfazia num instante porque alguma coisa lhe desagradava; era engraçado ver na cestinha aquele monte de lã encrespada resistindo a perder sua forma anterior. Aos sábados eu ia ao centro para comprar lã; Irene confiava no meu bom gosto, sentia prazer com as cores e jamais tive que devolver as madeixas. Eu aproveitava essas saídas para dar uma volta pelas livrarias e perguntar em vão se havia novidades de literatura francesa. Desde 1939 não chegava nada valioso na Argentina. Mas é da casa que me interessa falar, da casa e de Irene, porque eu não tenho nenhuma importância. Pergunto-me o que teria feito Irene sem o tricô. A gente pode reler um livro, mas quando um casaco está terminado não se pode repetir sem escândalo. Certo dia encontrei numa gaveta da cômoda xales brancos, verdes, lilases, cobertos de naftalina, empilhados como num armarinho; não tive coragem de lhe perguntar o que pensava fazer com eles. [...] Mas era só o tricô que distraía Irene, ela mostrava uma destreza maravilhosa e eu passava horas olhando suas mãos como puas prateadas, agulhas indo e vindo, e uma ou duas cestinhas no chão onde se agitavam constantemente os novelos. Era muito bonito.
O narrador insiste que quer falar da casa, o que só consegue depois que fala de Irene. E a casa, o edifício e também o ambiente familiar, vai se revelando na narração e passando de uma coleção de memórias a "um 'território-surpresa', de dupla-face" onde se reconhece o familiar(conhecido) e o inesperado.
Quando acabam por abandonar a casa - leiam o conto para saberem o porquê e como - , Irene tem o tricô na mão.
Nesse breve trecho do conto de Cortázar, encontro uma provocação para buscar e compartilhar com vocês receitas de pontos dupla-face em tricô.
- 1. Reversible cable stitch scarf
- 2. Reversible honeycomb scarf
- 3. Reversible cabled scarf
- 4. Mock cable pattern
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é para um público exigente e letrado, e que enfim saiba o que é ter uma pessoa tricotando em casa...já li A Queda da Casa de Usher e um pouco do Cortazar - Cronópios e Famas, não o texto mencionado. Lembro se eu não me engano do tricô vinculado ao livro Os Tambores Silenciosos, mas não exatamente de que forma...
ResponderExcluirEstou adorando os textos, as relações ,as provocações. Nunca tinha parado para pensar desta forma. Li Casa Tomada na Faculdade. Agora , deu uma vontade enorme de reler!!!
ResponderExcluirCláudia, obrigada pela visita e pelos comentários elogiosos. Muito me honras e espero continuar conseguindo relacionar essas minhas duas paixões para compartilhar com meus leitores.
ExcluirBj,
Isabella
Isabella, incrivelmente lindo. Analitico e inspirado este espaço teu, onde podemos te visitar. Continua abrindo os nossos horizontes! Contagia! bjoes!
ResponderExcluirAmo são paulo, o comentário elogioso muito me envaidece. Obrigada pela visita e pela postagem. Espero poder continuar contando com as tuas visitas e correspondendo às tuas expectativas. Conto com as sugestões e críticas para aprender mais sobre literatura, artesanato em fios e os mistérios da escrita.
ResponderExcluirBjão